quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Ensaio 2 - O Espelho

Olhos fechados. Sentia uma tênue brisa tocando meu rosto. Hálito sepulcral, disfarçado de brisa de outono. O som ao longe sumiu por completo. Sentia meu coração aos pulos, balançando todo meu corpo. E sentia o livro agarrado com força. A única ligação com o mundo real que sobrara pra mim.

            Mil pensamentos berravam em meu cérebro atormentado. Não conseguia raciocinar. Todas as malditas idéias que me fugiam nos tempos de escritor, agora insistiam em aparecer, de uma vez só. Lembranças de antigamente, da época de criança; lembranças da semana passada, e da morte do meu avô. Flashs de todas as épocas, e acontecimentos que jamais havia vivido (Lembranças do futuro?). Parecia que havia perdido o controle sobre a minha consciência, sobre o meu raciocínio, mas continuava completamente lúcido.

            Abri os olhos. Sentado eu estava, num lugar que lembrava um pouco meu quarto. Não havia muita luz; uma iluminação bruxuleante, ligeiramente azulada, brotava de todos os lugares, e lugar nenhum. Já não havia mais a escrivaninha a minha frente. O carpete continuava lá, embora o desenho estivesse um pouco distorcido.

            Então, duas coisas aconteceram. A primeira foi que meus pensamentos se aquietaram e consegui repentinamente raciocinar. A segunda foi que com o controle da minha mente veio também a consciência de onde estava. Sentado, imóvel, desviei meus olhos para a parede, e avistei o quadro com a pintura do espelho. Ele continuava lá, mas exatamente naquele canto, a luz não batia; e se eu quisesse ver o quadro, teria que me levantar e me aproximar.

            Mas porque diabos gostaria de ver aquele quadro bizarro e inquietante, vocês podem se perguntar? Ora, a resposta é bem simples: a curiosidade inerente ao ser humano, havia dominado completamente meu ser. Antes tomado de medo do desconhecido, agora algo em meu íntimo não sentia qualquer ameaça a minha volta, dando lugar a uma curiosidade natural. E sem pensar mais uma vez, levantei-me, deitei o livro sobre a cadeira, e me aproximei do quadro.



            















Havia o espelho, pintado num fundo negro. Bem de perto, podia ver suas bordas escuras. Mais que isso, sentia uma leve brisa sair do quadro. Parecia que no lugar onde deveria refletir-se minha imagem, caso fosse um espelho e não uma pintura, havia um buraco. Pude perceber que naquele ponto, o espelho não estava mais negro. Parecia uma janela para uma paisagem.

            “Havia um grande pântano atrás daquela janela. Galhos ressequidos, lodo exalando gases venenosos, algumas raízes tentando brotar e sobreviver em meio à entropia que dominava aquele lugar. Nada se movia, exceto a brisa que soprava em minha direção. Vasculhei com os olhos algum outro detalhe, e longe, bem ao fundo, percebi uma estrutura maior que o monótono emaranhado de galhos, raízes e espinhos. Era uma árvore, enegrecida pela falta de luz e pela podridão do lugar. Em seus galhos podiam-se ver pendurados uma espécie de frutos disformes, escuros, respingando no solo como se estivessem muito maduros.”

            O medo que tomou conta de mim ao avistar o corvo pousado em um dos galhos da árvore, esse não posso descrever. Assim que botei os olhos naquele ser, percebi que estava me observando o tempo todo, e mais, sabia quem eu era, e o que estava fazendo ali. Tomando de saber que não deveria sequer ter conhecimento.

            Tive nojo. Ao mesmo tempo, o corvo bicou um dos frutos e sorveu a seiva que dali brotava. Senti em minha cabeça as idéias voltando, insanas, e pensei que ela fosse explodir. Dei alguns passos pra trás e tropecei em algo no chão. Desabei, senti a cabeça batendo na cadeira onde havia deixado o livro.

Escureceu.


01:37 am

Acordei aos pés da minha cama. Estava suado e dolorido. O quarto, mergulhado numa penumbra densa e confortante. A luz da lua entrava pela janela, iluminando a mesa onde eu passo horas do meu dia.

Mais um sonho recorrente. Lúcido, lembrei de todos os detalhes e rapidamente os passei para o papel. Todo o conhecimento que adquiria com essas experiências eram proveitosas para o que estava por vir.

A árvore, o pântano, o corvo. Todos tinham seu significado. E eu começava a entender todos eles, aos poucos. Isso era até perigoso, mas eu sabia, quando havia aceitado aquele trabalho, que as coisas jamais seriam como antes.

Terminei de anotar os detalhes daquele pesadelo e sai do quarto. Atravessei o corredor até a porta do porão. Em frente a esta, uma outra porta, de metal. Destranquei-a com a chave que permanece em meu bolso e peguei a pistola carregada que guardava para ocasiões como essa. Junto a ela, um comprido casaco escuro. Peguei-o também. Uma longa viagem era necessária.

Voltei para o quarto. O livro. A maleta. O cinto de couro. Os frascos de remédios e meu cantil com água. Estava tudo lá. Esperando por mim.

Deixei a casa mais uma vez. Ao longe, depois das montanhas, dava para ver o reflexo de algo no céu. Ali ficava o deserto. Onde a escuridão tinha um significado completamente diferente do que você conhece. E era ali que eu ia encontrar, mais uma vez, o pistoleiro. 

The Mirror

Sinta seu corpo. Cansado, após um dia de trabalho. Ou então, deitado em sua cama, o notebook no colo. Relaxado. Confortável, após um banho quente.
Você está vivo. Por quê?

Imagine um espelho.

Olhe para dentro do espelho, que jamais engana. Olhando a figura que ele reflete,  você  verá não só sua imagem, como o interior do seu ser. Todos  buscamos saber o propósito de nossa existência, e algumas pessoas estão no caminho certo, enquanto outras não (a maioria, acho eu).

O espelho não mente. Ali, entre você e ele, você sabe a verdade. Você deixou todas as convenções sociais para trás, e está sendo sincero consigo mesmo, no silêncio dessa espécie de auto-contemplação. Ou seja, você pode ser falso, hipócrita, ou enganar a si mesmo na frente das outras pessoas, mas olhando pra si mesmo ali, sabe, em seu íntimo, as verdades que guiam seus passos.

As pessoas reclamam de suas segundas-feiras. Reclamam de feriados curtos. Reclamam do governo. Reclamam das filas. Eu, particularmente, não vejo sentido em você começar uma semana reclamando do primeiro dia. Se pararmos para pensar, você está maldizendo cinco dias da semana e enaltecendo apenas dois. Ou seja, você odeia praticamente 70% da sua semana. Você deveria gostar do que faz na maior parte do tempo, porque é sua VIDA. Os dias não podem ser jogados fora.

E isso nos trás à contemplação interior e a uma pergunta que está ligada a cada atitude que tomamos a vida toda:

Qual o propósito da sua existência?

















Se você estudar pelo menos um pouco da Teoria da Evolução Natural de Darwin, e perceber algumas coisas sobre a obra prima chamada Ser Humano, você vai saber, de cara, no íntimo do seu ser, que você não está aqui a toa. Digo, a teoria da evolução utiliza o termo aleatoriedade para definir algumas peças chave da seleção natural, mas o ser humano é perfeito demais para você achar que pode passar seus dias reclamando da sua vida de merda. Porque acredite, assim como sempre existe alguém que sabe mais que você, sempre existe alguém mais fodido que você.

A grande questão é que 90% das pessoas passam todo o tempo tentando se esquecer de que vão morrer. E fazem planos, e criam laços, e tecem sonhos, tudo objetivando ganhar controle sobre algo que está acima da sua capacidade.

Se você parar para pensar, sua vida é curta e você tem um dom muito incrível (pensamento racional + livre arbítrio) para ser o melhor que você pode. Pra que reclamar da segunda-feira, se você pode acordar e realizar algo incrível nela? As vezes, pode ser um dia cotidiano, mas o seu modo de encarar e construir aquele dia é que vai dizer se esse cotidiano vai ser um belo dia.

Nada vamos levar dessa vida para a outra, exceto nossa consciência, e o bem que fazemos para as pessoas a nossa volta. É provado que stress mata. Sentimentos de raiva, rancor, inveja, fazem mal ao organismo. Sorrir cura. Fazer sorrir, também cura. Estar de bem intimamente consigo mesmo, também faz bem. E você consegue isso vivendo cada dia de maneira completa, percebendo que só de estar ali, já deveria agradecer. E enfrentando as suas batalhas diárias com vigor e otimismo. Porque o amanhã não existe.

Olhe para o espelho, todas as manhãs. Concentre-se em ser o melhor que você poderia ser. Trate todas as pessoas como gostaria de ser tratado. Sorria. Essas pequenas atitudes podem mudar um mundo inteiro, aos poucos.

Pare de maldizer as pobres segundas-feiras. 

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Ensaio 1

Havia o pó.

E aqueles malditos abutres.

Bateu as pontas dos dedos nas botas, tirando um pouco da poeira incrustada nelas. Levantou os olhos, a visão aguçada buscando o horizonte.
Areia e mais areia, naquele deserto sem fim. E o sol prestes a se por.
Reiniciou a caminhada, mal sentindo as feridas nas solas dos pés. Subiu uma duna um pouco mais alta que as demais, buscando novamente a direção a seguir. Logo escureceria, e precisava arranjar um lugar para descansar os ossos.
















Ouviu os coiotes ao longe e com eles, o vento sussurrando a aproximação da noite.
Era um homem velho. Sua pele podia quase ser confundida com sua roupa surrada pelo tempo, mas que mantinha ainda a resistência adquirida com tantas cicatrizes. Carregava uma jaqueta de couro cheia de bolsos. Vestia duas calças, uma jeans e uma de couro por cima. Debaixo da jaqueta, trazia um colete trançado de couro e fibras, onde ficavam penduradas sob as axilas as duas pistolas, prontas pra matar.

As caçadoras. Duas pistolas antigas, prateadas, de canos longos.
Havia matado algumas dezenas com aquelas armas. Tinha aleijado outro tanto com elas.
Porque matar não era divertido.
Diversão era fazer o sujeito se lembrar permanentemente do seu crime.
Diversão era tirar o instrumento que o pecador mais apreciava.
Adorava arrancar os testículos dos infelizes com as balas de prata.
A prata e o pó em que embebia suas balas retardava enormemente a cicatrização dos danos que causava. E isso era bom. Uma memória permanente.
Deliciava-se ao ver as lágrimas escorrendo dos olhos secos dos canalhas, estes sabendo que algo em sua anatomia mudara definitivamente.

Pecadores. Havia cansado de toda aquela merda. Sabia que deveria ser feito algo, e assim decidira.

E pegara estrada.

            Acabou de mascar a palha. Escarrou no pó, olhou em volta com ar cansado. Ao longe, o sol avermelhado se punha rapidamente. A noite não demoraria a chegar, e com ela, todos os seres que com ela acordavam. Era preciso silêncio e meditação, àquela hora.
            Aquele deserto era o maior de todos. A areia e o pó guardavam séculos de caminhadas e sofrimento, de batalhas, sangue e ossos. De excrementos e restos orgânicos de todos os tipos. De máquinas. Um milhão de pessoas haviam passado por ali, muitas delas não chegando ao limite. Era um deserto de morte, cruel com os incautos. Não havia perdão para aqueles que o desafiavam sem o devido temor.

            Acendeu a fogueira e colocou a panela de ferro, carcomida pelo tempo e pelo uso para esquentar o resto de ensopado. Retirou da mochila o pequeno espelho ornamentado e colocou deitado para baixo na areia. Sobre o espelho derramou um pouco de areia branca, e desenhou um símbolo com os dedos. Sempre fazia seu ritual na mesma ordem, para não se esquecer de nada. Um detalhe esquecido, e as sombras desceriam sobre a fogueira.
E sobre sua alma tão disputada.