sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Ensaio 3 - Do conhecimento


“Então, como sempre acontece, minha atenção é tragada abruptamente para o Tomo a minha frente. O significado das palavras onde meus olhos tocaram invadem minha mente, e minha cabeça parece atravessada por mil agulhas. O café queima meu estômago, minha visão fica embaçada e de repente, a dor passa. Há vários odores novos agora. Um ruído distante perturba o silêncio, de leve. A luz diminuiu consideravelmente, e a única coisa que consigo enxergar com clareza são as grossas páginas do manuscrito à minha frente. Mas ele não está mais em minha escrivaninha.

Não estou mais em meu quarto.”









A primeira vez em que estive naquela biblioteca, não sabia realmente o que aquele lugar representava. Não tinha a ideia de onde estava, e até hoje reluto em deduzir como fui parar lá. São perguntas que deixei de fazer a mim mesmo há anos. É melhor assim.
            Algumas pessoas podem achar loucura, mas essa primeira visita foi durante um sonho. Não lembro exatamente, mas de repente, estava lá. E sabia, naquele momento, que estava sonhando. Tinha consciência de que estava deitado em minha cama, e que ninguém iria me acordar, caso fosse um pesadelo.
            E pessimismo à parte, foi o pior de todos os pesadelos que já tive. Pois nessa noite, em que roubei o Natalis Corruptione da biblioteca que guarda todo o conhecimento que nós não deveríamos ter, tive a consciência plena (quando caímos na água e não sabemos nadar, somos ingênuos, ignorantes; vemos nosso corpo afundar e não entendemos. Porém, quando aprendemos a flutuar na água – geralmente apenas deixando nosso medo de lado – não conseguimos entender como não sabíamos isso antes – e jamais esquecemos a lição – isso é adquirir consciência de algo que sempre esteve ali, mas precisamos de um gatilho para enxergar) da natureza daquele antro, e percebi que minha alma estava perdida. Mesmo assim, com o tomo colado ao peito, corri para salvar pelo menos minha mente – já que era apenas questão de tempo até meu espírito ser consumido e destruído. Como saí? Mais perguntas sem resposta.

            Mas, se era um sonho, porque todo esse drama? Bem, posso responder com outra pergunta, ao acordar: o que aquele velho tomo carcomido de séculos de idade estava fazendo caído ao lado da minha cama? E minhas roupas amarrotadas, a dor no corpo, as feridas? De onde viera tudo aquilo?
            Não, não acredito que foi um simples sonho. Pode ter começado como um, mas definitivamente não acabou apenas em minha mente. O livro estava ali, ao meu lado. E ficou ali jogado por semanas, sem que eu tivesse coragem sequer de entrar no quarto e olhar pra ele.
            Mas, o ser humano é curioso por natureza, e após seis semanas dormindo no sofá, num repente ato falho sai correndo quarto adentro, peguei o grande Natalis Corruptione, coloquei em meu colo e abri suas velhas páginas.
           
            E descobri que sabia flutuar.

nota: Esses ensaios fazem parte de um projeto maior, por isso são fragmentos apenas.